JOSÉ CID escapou da morte em queda de avião

Numa grande entrevista o cantor recorda o dia em que ia morrendo no avião que matou SÁ CARNEIRO.

21 Fev 2018 | 13:01
-A +A

O cantor garante ter sido sempre fiel às mulheres que amou, mas revela que foi assediado por um colega seu de profissão, um fadista, ao qual poupou o nome, mas disse que já faleceu. José Cid recorda ainda o dia em que fintou a morte ao ter recusado embarcar no avião de SÁ CARNEIRO, para ir dar um concerto ao Porto.

TV 7 Dias – José Albano Cid Ferreira Tavares, é conhecido por José Cid. Tem 76 anos e 64 de carreira, e continua a dar que falar…José Cid – Exato. Podem chamar-me arrogante e convencido e o que quiserem, mas eu sou um musicólogo, não tem ninguém com 75 anos no Planeta que possa gravar um álbum como este meu novo, o Corações Solitários do Capitão Cid e nem como o meu álbum anterior, Menino Prodígio, que é  muitíssimo bem tocado e que é nomeado o melhor álbum do ano pela Sociedade Portuguesa de Autores, em 2016.

Ainda se lembra de tudo o que já lançou?
(Suspiro). Eu guardei a minha obra quase toda e tenho muito respeito por ela, mas pensando que a partir de 1967/68 começo com o meu primeiro disco e depois em 1970 gravo o primeiro álbum de originais, imediatamente engavetado pela censura, ao fim de uma semana, o que tornou o álbum hoje extremamente raro e até caro, no mercado de vinis, eu acabei por colecionar quase tudo o que escrevi e às vezes até tento recuperar algumas coisas. Está tudo em duas gavetas do meu quarto, mas não está nada organizado.

 Mas tem ideias mais ou menos de quantos foram?
Se eu gravo um álbum por ano… [faz as contas de cabeça], em 2020, se eu lá chegar são 50 álbuns. Este deve ser o 47º ou 48º. Eu tenho em Portugal uma coisa que acho completamente inédita na música portuguesa, que eu aos 75 anos, o ano passado fiz 40 concertos, tudo maluco ao ouvir e ao fim de duas horas ninguém sai de lá.

 Onde é que vai buscar tanta energia em palco?
Toda a vida fiz desporto. O hipismo foi o último desporto que fiz. E quando está a fazer hipismo o desporto é ir buscar o cavalo, limpar os cascos, as crinas, aparelhá-lo, passá-lo à guia e depois apear, e dar-lhe um duche… tudo isso é exercício também. É preciso ter pernas. A perna de um cavaleiro, é uma perna diferente de um halterofilista.

Sim, mas também faz força…
Faz-se força para tudo e eu nem vou dizer para o quê. [Gargalhadas] a não ser que esteja com diarreia, aí já não faço força.

Entre 1973 a 1983, o Cid foi a grande moda, o artista português mais mediático…
Um nunca fiz papel de star, as pessoas sabem que eu não sou star. Eu gosto é de música e de pessoas que gostem de música.

Enriqueceu monetariamente com a música?
Na altura em que ganhei dinheiro, ganhei bastante dinheiro.

Mas já não ganha dinheiro?
Ganho. Mas tenho um contabilista para ver os meus impostos e pago uma pipa de massa por ano.

Mas se paga uma pipa de massa é porque também recebe muito dinheiro…
[Risos]. Exatamente. Não é proibido, tenho um contributo social tolerante. Em dois anos fiz cerca de 30 concertos solidários a custo zero pelo país inteiro. Ainda ontem estive em Ourique para os Bombeiros Voluntários de Ourique [N.R. 28 de janeiro]; em todas as cidades onde vou cantar, ofereço um concerto gratuito daí a uns meses, mas não faço questão de dizer: ‘eu sou muito bonzinho, estou aqui, mas não olhem para mim’.

Continua a dar concertos pelo mundo, como Alemanha, Estados Unidos?
Não! A emigração paga mal, os concertos têm qualidade sofrível e eu não tenho pachorra. Dou um ou outro por ano, em Paris, Toronto, em Nova Iorque, Genebra. Este ano não tenho nada apontado lá para fora. Antes fiz isso, e agora não faço. Tenho muito trabalho cá.

Trocou A Cabana Junto à Praia por um palacete centenário. É aí que ainda vive?
É a casa dos meus bisavós. Tenho o meu estúdio de gravação lá e a Gabriela tem o seu estúdio de pintura e interagimos muito bem nesse aspeto. Ela já pintou quadros na base de músicas minhas e eu já fiz música na base de quadros dela.

Há quantos anos está junto com Gabriela Carrascalão?
Conhecemo-nos na Austrália em 83, depois durante um ano ainda nos namoriscámos e tal, mas ela não podia vir para cá e eu não podia ir para lá, acabámos por seguir a nossa vida. Eu casei, ela casou, ela separou-se e eu separei-me e de repente houve um contacto. [Começa a mostrar pinturas da mulher e diz que é uma pintora cotadíssima na Austrália].

Que recordações guarda da Chamusca?
Passei tempos extraordinários de criança feliz, livre, a brincar com os meninos lá da rua, que brincavam muito melhor e corriam mais que os outros, que os meninos finos da terra.

O seu bisavô foi um nobre mas você preferia abrir as portas de casa e deixar a população local tomar banho na sua piscina.
Sim, não vejo porque não. As pessoas de Anadia se me vierem pedir eu não digo que não, agora já há umas piscina municipais muito boas.

Mas continua a ter esse ato de generosidade?
Agora não tenho a minha quinta tão aberta à população como dantes, porque agora tornou-se mais perigoso e não é pelas crianças, é por pessoas, que nem sequer sabem quem eu sou. Embora a Anadia seja um concelho muito protegido pela GNR, as pessoas podem andar à vontade nas ruas.

A fama nunca lhe subiu à cabeça?
O que eu gosto é de música e vou ficar mais famoso agora quando começar o Festival da Canção. Aquela que é uma das grandes canções da minha vida vou partilhá-la com o Gonçalo Tavares que é o meu sobrinho mais novo e canta muito bem. O Som da Guitarra é a Alma de Um Povo tem a ver com tudo o que somos nós. Quando acabei de escrever a canção senti-me refém dela e decidi não abrir mão dela para ninguém e vou atrás dela. 

O seu pai tinha uma indústria de enlatados e a sua mãe era dona de casa, mas queriam que o filho fosse advogado. Saiu-lhes um músico, como foi que reagiram à sua escolha?
Nada bem. A minha mãe era uma senhora de província muito clássica, trabalhava com as criadas e tinha mau feitio. O meu pai tratava dos negócios da fábrica, só chegava à noite, mas era impecável comigo. Contava-me imensas histórias, sentava-me ao colo e continuava a fumar. Morreu com cancro, porque fumava quatro maços de tabaco por dia. Em pequenino perguntei-lhe: ‘isso é bom?’ e ele disse-me que era muito bom: ‘puxa bem para dentro.’ Olhe, eu engasguei-me tanto, chorei tanto, fiquei tanto a tossir, sem ar, sem nada, que nunca mais quis pegar num cigarro.

Mas não teve o apoio deles?
Não tive o apoio deles, mas tive da minha irmã mais velha, que ainda é viva e é mãe do Gonçalo Tavares e que foi sempre uma querida para mim, achou sempre que eu cantava muito bem e que tinha músicas muito bonitas.

Tem ali a sua fã número um.
Completamente. Muitas fãs espalhadas pelo Planeta, mas a minha irmã foi desde a primeira hora. Ela é uma velhinha, tem mais dois anos que eu, vive na sua cadeira de rodas, a ver o National Geographic, sempre à espera de uma tourada, que adora.

Com quatro anos já tocava piano e foi interno num colégio de jesuítas. A cultura esteve sempre presente no seu crescimento.
Em pequenito eu tocava piano de ouvido, quando fui exilado para Santo Tirso e ficava a oito horas de viagem pelas estradas… era uma aventura. Gostei muito de lá estar, porque fazia imenso desporto e era sempre o primeiro prémio do colégio em canto coral. Isso enchia-me de orgulho.

Aos 20 anos casou-se pela primeira vez e quando se separou passou a frequentar casas de meninas.
[Gargalhadas]. Nessa altura, anos 60, só se podia dar beijinhos na boca e qualquer coisa era para casar. Como não queria casar com ninguém e como qualquer homem tinha as minhas necessidades biológicas [Risos], preferia lá ir. Tive algumas prostitutas verdadeiramente apaixonadas por mim. Está a ver?!

Era um galã…
Não. Não era um galã nada! Acontecia, essas coisas não tinham explicação. Elas estavam apaixonadas por mim e eu respeitava-as muito. Depois fui casando…

Casou quantas vezes?
A primeira vez casei com a Emília, a mãe da minha filha; a segunda, com a cantora Armanda que já faleceu; a terceira com a Nani, ela adoeceu muito, tivemos uns anos em que fomos verdadeiramente felizes; e depois, disse que não ia casar mais. Dizia que a ideal era a mulher a dias, porque era a que precisava mais naquela altura. Com a Gabriela casei há cinco anos. Ela teve sempre uma grande paixão por mim e eu respeito essas coisas.

Só tem uma filha, nunca desejou voltar a ser pai?
Não. A Armanda não queria ter filhos, não lhe apetecia, queria era andar em espetáculos e festas; a Nani já tinha 40 anos e não aconteceu. E agora, tenho os netos da Gabriela, tenho os meus sobrinhos netos, temos uma vida familiar muito intensa.

Em 2002, dizia que uma boa monarquia seria uma resolução excelente para o País…
Agora já não acho. Até posso achar mas a conjuntura atual agrada-me muito, o primeiro-ministro agrada-me muito, o Presidente da República agrada-me muito, é um perfeito rei em qualquer parte do planeta e depois o sistema moralizou.

Então está contente com a política que se vê…
Relativamente. Acho que esta política devia ser mais intensamente agrícola, piscatória, muito mais ecológica, cultural. Ainda agora me ligaram da Câmara Municipal do Porto e contrataram-me para o São João. Já lá estive há quatro anos e eles disseram que nunca mais houve um São João tão animado como o meu.

Quanto é que se ganha por um espetáculo assim?
É muito variável. Posso levar entre 5 mil a 50 mil euros.

Isso é muito dinheiro.
Mas eu mereço. Eu não canto por dinheiro. Eu sou bom a cantar e sou um cantor ao vivo e posso fazer algumas solidariedades. Nada é taxativo, eu não tenho um preço fixo para cantar.

Qual foi o concerto onde mais dinheiro ganhou até hoje?
Foi talvez uma passagem de ano no Casino Estoril há três ou quatro anos; o São João do Porto e também numa passagem de ano em Lisboa que tinha 200 mil pessoas a assistir.

 No Casino Estoril é uma noite aí para uns 50 mil?
Nessa altura foi. Agora não pagam tanto.

Cinquenta mil euros há uns anos, isso é muito dinheiro.
Mas o que é que isso lhe interessa? Num país de pobreza e pessoas que vivem com dificuldade. Eu pago os meus impostos, e de que maneira. Emprego 20 pessoas a trabalharem comigo, não mudo de músicos, são muito bons. Eu ganho 50 mil euros mas não é todo para mim.

 Gostava de ser ministro da Cultura? Tem ideias que gostasse de ver implementadas?
Gostava muito. Tenho ideias muito concretas. A primeira proporcionar aos jovens aulas de música e que se aprendesse a fundo a nossa música e a gostar de José Afonso, Amália, Carlos Paredes, para que as novas gerações não perdessem aquilo que de mais rico nós temos que é a nossa cultura e a nossa poesia; depois em vez do Memorial do Convento e dos Lusíadas que são chatos para os jovens lerem, que lessem várias vezes A Voz dos Deuses de João Aguiar para devolver às novas gerações aquilo que nós éramos quando estávamos em estado puro, 1000 anos antes de Afonso Henriques. Depois a educação tem muito a ver com desporto, eu abria as discotecas às seis da tarde e iam até à meia-noite, a partir daqui não havia mais álcool. Era mais saudável.

Era para ter ido com o Sá Carneiro para o Porto naquela fatídica viagem em que ele morreu.
Uma coisa é ele ser meu fã e eu gostar dele como político, outra coisa é eu obedecer-lhe cegamente. Alguém muito importante do PSD ligou-me a dizer assim: ‘a campanha do Soares Carneiro está tremida, se não te importas, amanhã há uma avioneta para o Porto e eu disse que não ia. Primeiro porque não fazia a campanha e em segundo porque tinha pavor de andar de avioneta. Porque já fiz voos de avioneta em África e é medonho. É um horror. Conclusão: não fui.

 Se tivesse ido não estava cá para contar a história.
Mas deixava já uma série de canções para o público.

Músicas como “A Cabana Junto à Praia”, “Anita Não é Bonita” ou “Como o Macaco Gosta da Banana” são temas muito conhecidos do nosso público. A crítica nunca foi lá muito sua amiga.
Mas o público é. Ter uma homenagem pública nacional aos 75 anos como não há memória na música portuguesa é muito bom e eu tenho-a.

 Sempre foi fiel às mulheres que amou?
[Hesitou] Sim. Também não me apetece andar com mais ninguém quando ando com uma pessoa. É porque gosto de estar com ela, também não faço fretes.

 Já foi apologista de casamentos à distância e este é diferente?
Olhe, eu ressono e ela ressona [Risos], usamos os dois máscaras, dormimos dez horas e acordamos rejuvenescidos. Adormecemos sempre abraçados e acordamos abraçados. Fiquei viciado nas máscaras, porque acordo muito mais bem-disposto e respira-se imenso.

Nunca foi traído?
Não, não fui.

É nervoso?
Acho que não.

Então porque rói as unhas?
Também não sei. Roo as unhas quando estou no trânsito.

Já subiu ao palco embriagado?
Já. Foi péssimo, muito mau. Porque sou muito perfeccionista a cantar e gosto das coisas muito perfeitas. Eu disse aos meus sobrinhos que estava completamente afónico e só tenho uma solução: apanhar uma bebedeira e entrar em palco assim e vocês vão cantando comigo. E assim foi. O espetáculo fez-se bem, foi no Alentejo.

O assédio está muito na moda. Já se sentiu assediado?
Já senti que se quisesse dar um passo em frente seria assediado. Mas quando sinto isso, ou me afasto ou digo que estou apaixonado por outra mulher.

E por homens, nunca aconteceu?
Não. [Pausa]. Por acaso houve. Houve um mas eu não posso dizer, já faleceu. Assediou-me uma vez. Eu estava no meu quarto, tínhamos ido a Inglaterra num grupo de cantores fazer uma digressão para a emigração. De repente, há um colega que me bate à porta e eu estava a fazer a barba em tronco nu, eu era muito atlético e ele diz-me assim: ‘sabes, é de homens como tu, muito musculados e com pelo que eu gosto!’ [Risos]. E eu disse-lhe: ‘Pois, olha esquece e deixa-me fazer a barba em paz.’

Essa pessoa era conhecida?
Era. Só posso dizer que era um fadista.

Em 1968, com 26 anos, teve um grave acidente de automóvel e perdeu a vista esquerda. É verdade que tem um olho de vidro?
Não sei se é de vidro, mas é uma prótese. Há uns anos, a Alenco – uma empresa a quem eu devo agradecer isso – ligou-me e disse-me que me conseguia pôr uma prótese e que a minha vista ia movimentar-se como uma vista normal e eu aceitei. Tenho uma vista direita de onde vejo lindamente, eu andei a fazer hipismo, jogo ténis de mesa, mas tenho uma certa dificuldade com a luz. Normalmente estou de óculos escuros, de noite ponho óculos mais claros.

Óculos escuros é a sua imagem de marca?
Não é. É necessidade mesmo. De noite posso usar lentes claras. Agora nos palcos, com as luzes…

E se lhe pedisse para fazer umas fotos sem óculos?
Não tem problema nenhum. [N.R. tira os óculos da cara e posa para fotos].

Tem de ter algum cuidado especial com a prótese?
De vez em quando, tiro, limpo. É simples, carrego e a lente sai por baixo. Depois para a pôr é ao contrário. Já estou habituado. Se quiserem um ponho-me nu, mas têm de pagar 20 milhões de euros.

Já não é a primeira vez que ficava nu.
Isso foi para me despir de preconceitos. [N.R. umas fotos que fez para a revista Nova Gente em que aparece nu com uma capa de disco a tapar o sexo]. Mas eu mostrei alguma coisa? Como ribatejano até bastante que mostrar e ficava mais célebre. [Risos]

Arrepende-se de ter posado nu?
Não. Há gente que pode tapar o sexo só com uma esferográfica à frente. [Gargalhadas]. Eu tive uma namorada na Austrália, que era a diretora de um hotel de cinco estrelas onde iam as grandes vedetas e ela entrava pelos quartos a dentro, irresistível, lindíssima e depois dizia-me já depois dos depois: ‘tu és fantástico.’ Eu respondia que era do Ribatejo, uma região com homens muito quentes e ela dizia: ‘pois, tu gostas e tens… porque o Júlio Iglésias não tem, aquilo é uma tristeza.’

E o filho, o Henrique Iglésias também tem a fama de não ter, não é?
É transmissível. Às vezes um mal nunca vem só. Se eu tivesse tirado a fotografia completamente nu tinha sido um êxito. Um ícone.

Mas ainda está a tempo.
Agora não. Já não tenho idade para isso. Mas eu tinha um motivo para isso. Na imposição das playlist em Portugal, não passavam música portuguesa. Só passavam alguns e eu era tão ou mais talentoso que esses alguns.

Essas fotos deram que falar e as suas tias sempre o deserdaram?
As minhas tias disseram: ‘ai que horror! Vais ser deserdado. Vão-te tirar os títulos.’ Olhe, ainda bem, que nunca fiz questão de ser Visconde da Lagoa e Barão do Cruzeiro estou-me ‘marimbando’ para isso, eu sou quem sou e não estou nada preocupado em títulos e em heráldicas.

Também já não é o único que canta com óculos de sol.
Pedro Abrunhosa, mas não sei quem é o outro.

O Anselmo Ralph.
Ah! Acho que ele tem um problema de vista, coitado. Devia falar menos nos concertos, devia cantar mais. [Gargalhadas].

Quem são os seus cantores preferidos?
Acho um piadão e gosto muito do Agir porque o conheço desde pequenino. Canta q.b. não canta como o pai, mas canta bem. Gosto do Piçarra, as letras são assim-assim, mas tem uma grande voz e tem grandes produções. Gosto do miúdo dos Virgem Suta, ai canta muito bem e compõe muito bem. Depois numa geração mais crescida gosto muito do Luís Represas que tem uma voz extraordinária, da Manuela Azevedo, Ana Lins, mais na área étnica, do Gonçalo Tavares que tem uma grande voz e como ele cantou toda a vida em pub’s e bares tem uma voz muito alargada e com muita técnica.

E o que achou do tema cantado pelo Salvador Sobral?
Desde a primeira hora, do primeiro acorde que eu disse: ‘já ganhou!’. Esta é de longe a melhor música que cá está. Ele tem uma escola fantástica, jazzística, a música é extraordinária. Eu sou fã da Luísa Sobral a escrever, a compor e a cantar também. Ele é um cantor extraordinário e estamos todos muito contente com a recuperação dele.

Abalou-o a morte do Zé Pedro dos Xutos e Pontapés?
Sim, muito. Mas na altura em que morreu o Zé Pedro morreram dois grandes meus amigos, o João Ferreira Rosa e o António Pelarigo.

Gosta da música do Marco Paulo?
Gosto da dignidade com que o Marco Paulo enfrenta a música. Gosto de o ouvir cantar, é um tipo de músicas que não me diz muito. Ele faz versões, assume que faz versões e canta-as bem. E tem resistido ao longo do tempo e isso é muito bom.

Mas há um que fazia versões e não assumia que as fazia…
Disso eu não vou falar. Mas acho que estamos todos à espera, finalmente, de um álbum de originais dele e vai ser, de certeza, extraordinário. Estamos todos curiosos.

 Experimentou droga uma vez e detestou. Tem vícios?
E fiquei sem voz, sem energia. Vícios? Roo as unhas. Sou incapaz de passar por um pobre e de não o ajudar. Há pessoas que compram filé-mignon para os gatinhos e não são capazes de ajudar um sem-abrigo. Isto é verdade e é muito grave.

Continua proibido de cantar em Angola?
Estive proibido de cantar em Angola durante seis anos. O primeiro álbum do quarteto 1111 é todo sobre o colonialismo, é um álbum lindíssimo, saído em janeiro de 70, que foi engavetado ao fim de uma semana e eu estive proibido de entrar lá.

Não foi antes porque disse que quando os brancos saíssem da África do Sul os negros iam ter fome e guerra civil?
E não me enganei. Ainda agora em Moçambique me queriam lá. Mas eu sei que durante muito tempo estive proibido de entrar em Angola, mas no antigo regime. Voltei em Angola em janeiro de 74, era um paraíso, as pessoas andavam na rua, os africanos não passavam fome, a guerra colonial estava ganha e eu estive a fazer uma digressão.

Já teve cavalos e entrava em provas de competição.
Já tive 25 animais, é um negócio que não resultou, embora tivesse criado belíssimos animais. Neste momento tenho dois cavalos de competição.

E já não monta?
Deixei de montar aos 72 anos. Acabei na equipa portuguesa de veteranos.

Não tem saudades?
Tenho, mas é incompatível com a voz, com as músicas e com as canções. Já não aguento fazer concertos e concursos hípicos. Para ter a energia que tenho em palco já não posso andar a fazer concursos hípicos.

Calculo que a sua agilidade também já não seja a mesma.
Não tenho agilidade. Mesmo quando eu tirei o curso de educação física, eu tinha muito pouca flexibilidade física em novo, mas só há pouco tempo é que percebi porquê: tenho menos uma vértebra na coluna vertebral. Para apanhar um papel do chão tenho de afastar as pernas.

Com 76 anos, como vai a sua saúde?
Estou pré-diabético mas tenho controle, faço análises, tenho cuidado com a alimentação, embora continue a ser muito guloso. Ai meu Deus. Sou tão guloso. Sou guloso compulsivo.

Nunca teve nenhum cancro?
Graças a Deus. Mas tenho tantas pessoas à minha volta tão doentinhas. É uma tristeza. Horrível. Isso assusta. Mas eu já vivi uma vida, há pessoas tão jovens que morrem assim e é tão triste.

Diz-se que tem uma “língua afiada”.
Não muito. Eu não contesto, constato. Quando digo alguma coisa que seja mais violento, eu posso provar. Eu não critico por inveja. Sou aquariano e não tenho nada de não dizer aquilo que penso.

Já houve alguma critica que lhe tivesse feito que o deixasse arrasado?
Já, mas as pessoas que a fizeram, já estão na Wikipédia e eu continuo na moda. E estou e vou continuar a estar enquanto tiver saúde e enquanto tiver voz. Dou um concerto de duas horas e aguento do princípio ao fim, sozinho, sem playback e sem essas porcarias, sem afinador de voz e a verdade é que eu sou um cantor nato.

Financeiramente precisa da música para viver?
Não! Eu vivo para a música e aquilo que me pagam é aquilo que é justo. Pago impostos muito grandes, enormes, imensos e não fujo aos impostos.

Quando o fadista Paulo Bragança se afundou nas drogas, o Cid apoiou-o. Continuam juntos?
Somos amigos. Continuo a ajudá-lo, a dar-lhe conselhos e ele voltou há seis meses. Está recuperado, nunca percebi que tipo de drogas é que ele consumia ou não, a verdade é que destruiu a carreira dele cá, mas ficou um mito, único na sua geração. Ele voltou, está a cantar muito bem, recuperou a voz, quer regressar e tem todo o direito. O fado em Portugal precisa do Paulo Bragança.

Em 1994 disse que as televisões eram um purgatório. Ainda acha?
Quando apareceram aqueles programas que não estamos muito de acordo, aquelas coisas já tarde, aqueles em que chegam as moças com botas de cowboy até meio da perna… Programas em que o Portugal verdadeiro não se revê.

Vê as telenovelas?
Agora não tanto, mas já vi, e já as musiquei. Já fiz dois genéricos para duas novelas: “Terra Mãe” e “Louco Amor”.

“Quando deixar de ter voz para de cantar, não quero ser encarado como um coitadinho”. Ainda pensa assim?
Não porque quando deixar de cantar e de ter voz, posso escrever canções e dá-las a outros e posso tocar. Porque não perguntam isso aos gajos que andam a cantar e fazem playback total?

 Vou fazer a pergunta de outra maneira: quando achar que não tem voz vai cantar em playback?
Ia responder-lhe de uma forma ordinária à ribatejano, quando deixar de ter tesão não ando atrás de gajas.

Texto: Mafalda Dantas;

PUB